terça-feira, 26 de novembro de 2013

Da série Contos Familiares , minha avó Lucinda


Lucinda da Silva

Minha avô. Mãe de minha mãe Isolina.

Filha de brasileiros, oriunda não se sabe ao certo entre o Estado da Bahia e do Espírito Santo. Lá em casa chegamos a essa conclusão pelos seus relatos, quase sempre confusos . Ela dizia ter nascido em Dor de Vitória e que o seu pai era de Ilhéus, na Bahia. Como seu registro de nascimento ficou com o irmão mais velho da família, que não morava mais em Sapé de Ubá (MG), onde grande parte de sua história se desenrola,  e como os estados da Bahia e Espírito Santo fazem divisa com Minas , a dúvida permanece. Infelizmente nem ela mesmo pode nos explicar. Ao final da vida ainda acrescentava – Nasci mesmo foi em Sum Paulo de Muieié – dizia, com seu sotaque caboclo. Não sabemos ao certo onde fica, afinal.

Dona Lucinda era uma morena bonita e esperta, altiva, do tipo cabocla e analfabeta de pai e mãe, como a maioria dos brasileiros naqueles tempos. Fato que ela soube superar com sua coragem e vencer todos os obstáculos com muito trabalho.  Quando criança, dizia ter brincado com índias e balançado na rede, nas ocas.   Encontrou ainda adolescente com meu avô Camilo,descendente direto de imigrantes italianos, de cabelos lisos, rosto ossudo, olhos azuis. E se encantaram.  Do casamento tiveram 10 filhos, sendo 7 mulheres. Para criar os filhos, os dois trabalharam duro na lavoura. E minha avó  ainda lavava roupa , costurava e ainda e auxiliava o marido na carpintaria.

Mas a vida roda e foram surpreendidos com a tuberculose do filho mais velho. Pra piorar, a notícia correu na pequena cidade e as senhoras deixaram de mandar roupa pra minha avó lavar, com medo que a doença fosse transmitida pelo contato. A situação não poderia ficar pior.

Inconformada com aquela vida sacrificada e  com a injustiça,  tomou a decisão de conversar com o padre da paróquia para pedir aconselhamento. O padre compartilhava da mesma opinião, e incentivou que ela buscasse uma alternativa para os filhos na cidade de Cataguases, que era a mais próxima e mais desenvolvida na região, com várias indústrias de tecelagem. Concluiram que os filhos não teriam outro futuro, se continuasse naquele lugar, além do trabalho duro no campo ou em casa de família.

- Tire suas filhas daqui, dona Lucinda, elas são moças bonitas e tem chance de uma vida melhor fora daqui. Aqui vai ser só humilhação, disse o padre.

Com o apoio moral e  uma pequena doação financeira, ela mandou o filho mais velho na frente , com alguns contatos de amigos e indicações para buscar oportunidade de trabalho nas indústrias de tecelagem para as filhas.  E, sem titubear, seguiu com os demais filhos na boléia de um caminhão. E levou consigo um fardo de arroz, outro de feijão e uma manta de carne seca.  Foi o que comeram durante dias, até receber o primeiro salário.

O marido não quis acompanha-los. 

Voces vão dar com o rabo na cerca , ele dizia , vou ficar por aqui pra quando vocês voltarem. Palavras típicas de um homem simples , que não acreditava na  possibilidade de mudar o seu próprio destino.

Mas, como a mulher e os filhos não voltaram, ele foi se juntar à família alguns meses depois, quando as filhas já estavam empregadas na fábrica de tecidos e as crianças na escola. E tempos depois, a fábrica liberou uma das casas da vila operária. Era o paraíso !

Minha mãe conta que eles estavam em casa quando ouviram um barulho na porta e ao abrirem, deram de cara com um par de sapatos no chão.

– É o Camilo !  minha avó exclamou.

Dona Lucinda não parou por aí . Anos mais tarde incentivou os filhos a procurar outros lugares mais promissores, o que acabou levando-os para Petrópolis, quando surgiu oportunidade em outra fabrica de tecidos. E foi lá que enfim toda a família se instalou.

E ela teria ido mais longe , se o tempo tivesse permitido e sua vida não tivesse se encerrado aos 69 anos, de complicações do câncer.

Convivi com minha avó por pouco tempo, infelizmente. Mas lembro de passar longas horas no seu colo, na varanda de casa, olhando o movimento. Sua alegria era ficar vendo o povo passar e os jovens e crianças passarem e dizer: -Bença, vó!  . Deus te abençoe, ela respondia.

A sua postura, sua coragem e bravura possibilitou a minha mãe e tios o encontro de uma vida digna e próspera, mesmo com muito trabalho e de criar os filhos com acesso a mais informação e escolaridade.
 
E seu exemplo moldou o espírito das mulheres da família.

(histórias retiradas dos escritos da minha mãe, que felizmente tem muitas outras histórias pra contar)

Nenhum comentário: